junho 30, 2007

Passava muito tempo só. Luzes apagadas. Ouvidos atentos a mínimos ruídos. Esperando. Sempre esperando. O ar entediado. Vazando das narinas. Coração pesado e vazio. Quieto. Ansioso. Surrado de premonições, sentimentos ensandecidos, hábeis carrascos. A vida, esquizofrênica, a dançar sobre covas frescas. Você nunca se acostuma a viver sozinho.

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Ruído! Os olhos, rápidos, varrem a atmosfera desconfortável ao redor – NADA. Outra vez, não há nada lá. Algumas vezes tentava olhar para os pássaros e ver somente pássaros. Nenhum mal presságio, nenhuma promessa de morte, nenhum manto de desgraça deitado sobre sua casa. Mas não conseguia acreditar, jamais sentira-se capaz de relaxar e olhar, simplesmente, para um pequenino pássaro e sorrir. Apenas sorrir. Na verdade, nunca havia sido capaz de sorrir, desde criança. A vida, ela mesma, sempre lhe sorrira, com sarcasmo, deboche, despeito. A vida sempre lhe gargalhara, na cara. Intensa. Rir. Rir. Rir. Rir. Rir. Rir. A busca frenética pela gargalhada fácil, gorda e suculenta. Falsa. Como todas as boas lembranças de sua vida. Como todos os momentos que se lembrava de terem sido bons e, logo após, de ter estado só em todos eles. Não era um estar só daqueles que produzem resultados positivos... era um estar só que lhe fazia grudar no sofá, ansiosa, meio que aflita, meio que assustada, em parte com medo... de algo que não sabia o que era. Só sabia que era preciso dar forma a esse medo estúpido, burro e sem cara.

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Eu ainda não sei o que aconteceu. Não faz muito tempo, no entanto, que tudo começou. Foi interessante a ausência de decepção, como se aquele fosse dos males o menor. Em todas as fotos, sorrisos. Em todos os encontros, raiva. Como se a pessoa das fotos não fosse aquela de carne e osso. Mas era. Sempre fôra. Sempre seria. Boas intensões à parte. As coisas são o que são. As pessoas não mudam. O planeta não para de girar. A vida não perdoa. A morte não desiste de se mostrar doce e suave. Todo mundo mente. Pra si mesmo.

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Aceitar o fim não é uma decisão premeditada, mas é inevitável. Tentar justificar o comportamento humano vai cansando tanto! e de uma hora pra outra parece tão embecil...! No final, só resta o tédio. Tanta coisa bela ao redor. A natureza tão viçosa e perfeita! Não adianta. É preciso ser imperfeito para admirar perfeição. E imperfeição é defeito, não importa o que digam os espíritos evoluídos, eles são minoria. Os imperfeitos governam o mundo. E Eles são fortes. E egoístas. E eles são contagiosos.

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PRIMEIRO CAPÍTULO

Acordo. 7:54. O quarto ainda com esse tom cinza. Outro dia ruim. Lembro do filme da noite passada. Chuva de bombas e tiros. Quanta ação!... Quanto emoção! Quanta coisa pra me lembrar do marasmo que é minha existência. Quanto incômodo me causa apenas “ser”. Esse comichão de insatisfação que eu coço e coço sem parar, assistindo abrir feridas, sangrar, embalada pelo som amordaçado das unhas do meu desespero controlado, racional, útil, doente terminal fadado a uma morte lenta e sozinha.

Levanto. Nunca lerei todos esses livros. Sem tempo sobrando quando “ser” e “realizar” se degladiam. Ao descer degrau por degrau da escada parece que subo. Minhas pernas pesam, doem e temem. Nenhum santo ajuda. Já faz tempo que abandonei a fé. Agora deito na inerte esperança do acaso. Algo fantástico poderia acontecer.

Tá. Falou.

O abraço apertado e largo que me recebe na cozinha me lembra que o café está pronto. O café me lembra que a melhor parte do dia acaba de terminar. Tudo se encaixa mas nada faz sentido. Não pra mim. Não agora. Observo o rio incansável pela janela. De onde vem e pra onde vai... cenário conhecido de um percurso incerto. O movimento é a chave. O rio faz sentido. Quase sempre. Acordo cada vez mais cedo. Tenho dias cada vez mais vazios. Minha insônia desistiu. Durmo bem, vivo bem, me sinto mal. Fraca. Invejo a heroína do filme da noite passada. Pudera eu viver sua vida, suas aventuras... morreria na primeira fuga, atingida pela primeira bala mal disparada por algum bandido incompetente. Incompetente como eu.

A vida vai passando, lenta... sem parada pra almoço... sem soneca... minuto a minuto... se ocupando com insaciáveis dúvidas... consumindo o resto dos meus sonhos. Tic-tac-Tic-tac-Tic-tac-Tic-tac-Tic-tac-Tic-tac-Tic-tac-Tic-tac-Tic-tac………………….

O café esfria tão rapidamente!...

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Herança genética me assombra. Os fantasmas que tentei exaustivamente exorcizar da minha vida se desenham no rosto dos parentes, sempre doentes, deprimidos, assustados, temendo o castigo vindo dos céus, alheios ao fato de que os céus se fecharam e só voltarão a se abrir para destruir, extinguir... numa tentativa de reparar o erro aqui difundido, germinado, que atende pelo nome de humanidade. aaahhh... extinção... amiga de todo conspirador, de todo culpado, de todo aquele que teme a prova, a evidência inegável da merda concretizada. A humanidade é evidência sólida por demais de um plano pretencioso, cujo real intento nunca cruzou as barreiras do desejo de poder de um “criador” narcisista obcecado com o próprio sucesso. É. Eu sei. É fácil se identificar com o modelo descrito acima. À imagem e semelhança.

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Há dias que não como decentemente; há dias que meu estômago se nega a exercer sua função digestiva e preguiçosamente prefere enjoar, impedindo-me de concentrar na vida fora de mim. Há dias que sou incapaz de mirar o céu. Há dias que procuro o chão, tendo o céu como fonte certa de meu mal-estar... [ continua... ]

Lele Queiroz

Quando eu tinha 16

Quando eu tinha 16 anos acreditava que viveria até os 80. Cabelos brancos, uma linda cadeira de vime almofadada e a vaidade que minha vitalidade já não poderia mais sustentar; confusa entre segurar nas trêmulas mãos o espelho ou os grampos que prenderiam minhas ralas cãs. Hoje tudo se projeta ao avesso. Também imaginei netos alegres e gritantes ao redor de mim, transbordantes da felicidade que só as avós, que tudo permitem aos pequenos demoninhos, podem proporcionar. Mas isso pensei já aos 22, quando finalmente me dei conta de que todo o fastio e saco-cheio que me ocupavam não me permitiriam passar dos 40. Como era de se esperar, não demorou para que toda essa névoa de utopia se desfizesse em simples velinhas de 25. AH! O peso dos 25. Que realização! Que sentimento de completo... fracasso diante de tudo que havia passado pelas linhas objetivas da minha existência. Na infância, planejei ser bancária, modelo, prostituta e até mãe. A maturidade! Nada como a inevitável maturidade — aos que sobrevivem — para fazer desmoronar todos os planos, sonhos e orgasmos da juventude! Tudo se torna mais difícil depois dos 18 e pior ainda depois dos 25. Difícil?! Não sei se seria esse o termo apropriado. Talvez mais claro. Sim. Mais claro. A juventude colore demais as coisas. A velhice devolve os tons de cinza ao seu devido lugar. À escuridão o que a ela pertence. E a escuridão tornou-se mais definida à medida que as velinhas dos bolos de aniversário eram assopradas, à medida que os presentes eram abertos e me surpreendiam — diários, livros, lingeries, maquiagem, tupperwares, cremes anti-idade, fitas de auto-ajuda, papagaio “para fazer companhia”, convites para “spas” de luxo — que acabariam com todo o orçamento, apesar do conforto, mas afinal, eu não teria mais tempo de vida útil para gastar meu dinheiro —, agulhas de crochê banhadas em prata, chinelos de pelo, uma visita caridosa em uma tarde de domingo qualquer. Tudo isso regado com a melhor das intenções. Quem dá ao solitário, empresta a Deus. O grande pai que a seus arcaicos e subdesenvolvidos filhos presenteia com a velhice, a fraqueza e o abandono.

Meus netos passaram por mim como o vento, meus filhos... enterrei a todos. Companheiros tive muitos, mas poucos fizeram guarida no meu coração. Hoje, da cadeira de vime almofadada avisto o mar pela janela do meu quarto. O mar!. Quem pode saber se um nascimento difere de um enterro na linha do tempo. São apenas comemorações da existência, caprichosa e tênue. Desde sempre.

Lele Queiroz

Desejou profundamente a morte

A comemoração da Páscoa já havia dado ao dia um ar de tédio que ele tentava disfarçar sorrindo e brincando com as crianças. A presença em peso da família, antro irrecuperável de traumas e feridas incuráveis, somente veio a piorar a sensação de fracasso. Encontrar os amigos à tarde seria um alívio se tivesse sido diferente, se eles ao menos compartilhassem de alguma perspectiva, se não se agredissem tanto, quase que por falta de opção, quase que por reação ao marasmo, quase sem perceber. O cotidiano viciado, oco, trôpego mais do que nunca estava insuportável e ainda mais para o amor, que não encontrava sequer frestas de luz para vislumbrar e que murchava na triste companhia de uma inspiração desmotivada; o frustrante lampejar de pequenas esperanças potencializando a ânsia, a repulsa e finalmente a raiva daquela existência vazia e inútil. Não havia portas, sótão, porão. Nenhuma saída, nada que ele pudesse imaginar ser capaz de reverter o seu estado crônico de solidão. Não, não era a solidão tradicional, porque muitas pessoas o cercavam e o importunavam. Era uma solidão de alma, um perpétuo descobrir-se só, desamparado, ermo; um eterno desiludir-se. Foi então que em princípios de outono, envolvido pelo crepúsculo frio da metrópole, por detrás da janela do 13º andar, ele desejou profundamente a morte. Não pode parar de imaginar como faria para eximir-se de existir. Aderiu a verdadeiros rituais de morte, bolando as cenas, trilhas sonoras, figurinos. Tudo deveria ser perfeito. A família choraria por ele. No trabalho todos ficariam perplexos: “ninguém poderia imaginar”. Os filhos eram pequenos, dois e quatro anos, não sentiriam sua falta tão cedo. Mas... e ela?

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Derrame. Finalmente ela poderia desligar o aparelho que o mantinha respirando. Acompanhar aquele velho durante dois meses sem decidir-se entre a porta da vida e a escada pro céu a desgastara profundamente. Se pudesse escolher, estaria acampando no litoral, mas não era por ela que trabalhava na clínica de saúde, era pelos filhos. Buscava forças na família e nos poucos amigos que conseguira cultivar. Nenhum deles era muito encorajador, mas eram seus amigos... Ela se arrependera profundamente por não ter seguido a carreira artística de bailarina, por não ter se casado com o dono da gráfica da zona sul e por não ter aceitado a oferta indecente, porém estimulante, de seu antigo patrão, um alemão sisudo e bem mais velho. Não era um bom momento. Estava confusa com a morte recente do pai. Talvez em outra ocasião. Foi quando ele apareceu, cheio de amor, carinho e dívidas. Eles trabalharam muito, economizaram morando nos fundos da casa da mãe dele, pagaram as contas, tiveram dois filhos, entediaram-se, e permaneceram juntos. Sim, eles eram cúmplices de verdade. Compartilhavam tudo, de dores a... . Mas de repente, alguma coisa faltava, algo estava incompleto. Não para ela, era com ele. Ela o amava e, mesmo se não o amasse, isso não era importante, o que contava é se estavam juntos. Ele... ele a amava, mas não tinha mais certeza se estavam juntos, se queria estar, se devia. Questionava a própria existência!

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Não era mais possível. Ele não podia suportar mais. Decidiu-se por uma corda amarrada ao imenso lustre projetado do teto alto da sala da mãe. Não havia ninguém em casa, era uma quinta-feira sem graça e já que havia saído cedo do trabalho teria tempo para arranjar tudo antes que alguém chegasse. Cuidadosamente subiu em uma cadeira de forro de veludo vinho, amarrou ao lustre a grossa corda que encontrou no porão, desceu da cadeira, procurou seu disco predileto — O Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky —, colocou-o na vitrola como quem deita um bebê no berço. Em seguida, foi até a mesinha de centro e apanhou um livrinho fino onde leu pela última vez o poema de Paul Geràld, Toi et Moi. Ele preparou-se para subir na mórbida cadeira de forro de veludo vinho, rumo ao desconhecido. Subiu. Cronometrando o que seria seu último suspiro, retirou o pé esquerdo de sobre a cadeira. Tudo como ele havia planejado. Um momento único de solidão, essa, agora, valiosa. Na iminência de retirar o pé direito, num gesto que o eximiria da vida... bruscamente uma multidão de caras conhecidas e repulsivas invadiu a sala ao som de Parabéns pra você desafinado. Milhões de línguas de sogra, chapeuzinhos e confetes preencheram seu campo visual de forma constrangedora, criminosa. Crianças correndo umas atrás das outras, caindo sobre os avós que tentavam acompanhar a fila dos cumprimentos em um passo visivelmente mais lento. Bolos, tortas, brigadeiros e copinhos de plástico cheios de refrigerante ocuparam o cenário de sua morte como um estupro, assassinando sua última esperança de encontrar algo novo. Os parentes e amigos vinham como soldados em posição de ataque para cumprimentá-lo pelos 33 anos de vida. No final da multidão de felicitantes, apoiada numa pilastra, ele avista ela, sorrindo por trás de um canapé de aliche, vestida de branco, recém chegada do trabalho. Finalmente, uma das almas sebosas da “festinha” alcança a vitrola com aquele comentário letal: - Ae! Gente. Vamo ouvi música de verdade, nessa festa, né? “...já sei namorar...”

...

Ela continua trabalhando na clínica e hoje cuida dele, catatônico desde seu último aniversário. De acordo com diagnóstico familiar, devido à possessão demoníaca, que o teria tornado propenso à autodestruição. Ele tem sido benzido com freqüência nauseante, mas não reage a estímulos, exceto aos provocados por ela que duas vezes por dia expõe seus ouvidos à audição do Lago dos Cisnes. Afinal, eles sempre foram cúmplices...

Lele Queiroz - SP: 2001 - At home!

Casemiro

Infelizmente, a vida não sorri para todas as fisionomias tristes. É preciso mais que tristeza para ser aceito. Convencionalmente, as pessoas procuram ser aceitas, mas nem todo mundo busca a sociabilidade. Casemiro é uma dessas pessoas que não se preocupam se alguém gosta dele ou não. Ele se importa apenas com sua lata de cerveja e seu isqueiro, objetos de sua propriedade que ele jamais cede a ninguém. Segundo sua filosofia de vida, um homem tem que possuir seu próprio isqueiro, que ele chama carinhosamente de "le briquet".

O Sr. Casemiro trabalha numa fábrica de cigarros no extremo norte da cidade. Ganha pouco, mas recebe da empresa tudo de que precisa para sobreviver: quatro salários mínimos, convênio médico, vales transporte e refeição - que ele troca por revistas adultas na banca de seu bairro - e uma cota de três pacotes de cigarros mensal.

A casa de Casemiro é um kitnet, fica no centro da cidade e tem como mobília um colchão de molas, uma mesa com dois banquinhos, um purificador de água sobre a pia, uma geladeira velha e um armário velho pendurado na parede da minúscula cozinha.

Casemiro se alimenta de sanduiches e cigarros, muitos cigarros. Ele lubrifica sua garganta cancerosa com água retirada de seu purificador sobre a pia e cerveja, em excesso. Casemiro diz que a água da cidade está contaminada, que não existe salvação para ninguém, todos serão afetados por uma nova droga que provoca a tal Síndrome do Descontrole Psíquico. Casemiro anseia pelo noticiário da tv ali da mesa de esquina do Bagaça, o boteco que funciona no andar de baixo de sua casa. Ele aguarda o pronunciamento do ministro da saúde sobre a contaminação da água. Segundo ele, todas as autoridades já estão a par da tragédia ambiental. Ele aguarda. As autoridades não se manifestam.

Casemiro é um grande admirador da apresentadora do telejornal das 19 horas, loira laquê, bronzeamento artificial, seios siliconados, maquiagem de chupeteira, como a das meninas do Café Frufru. Ela não difere em nada, ao que se sabe, das putas da região, exceto pelo acabamento mais sofisticado. Para Casemiro isso não faz diferença. Ele coleciona fitas de vídeo com as edições do telejornal que o seu Duran, dono do boteco, grava pra ele. Só que ele nunca assiste porque não tem vídeo cassete e nem tv. Mas pode admirar a suculenta repórter pelas fotos de uma antiga revista masculina onde a garota fez um ensaio antes de ingressar na televisão. Casemiro se lambuza inteiro flertando com as páginas grudentas e engruvinhadas da velha publicação.

Casemiro é só. Mas tem o controle de sua própria vida. É o que ele pensa. Fora de sua rotina profissional, Casemiro freqüenta o relax for man da praça central. Sua garçonete preferida é Calistra, loirinha bunduda dona da boquinha de veludo da casa. Ele pensa nas fartas tetas da repórter do telejornal. Sempre.

Nada de surpreendente acontece na vida de Casemiro. Ele não sorri e não se lamenta. Também não tem amigos, só companheiros de copo que não gostam de falar. Ele não ouve música, não lê e não tem saudades de ninguém. Casemiro é um espectro, magro, pálido e silencioso, um ser etéreo e perpétuo, lúcido e cansado.

Na última semana, Casemiro cumpriu sua rotina dária de acordar e levantar muito cedo, engolir três ovos crus, vestir seu uniforme cinza e, desta vez em meio a uma terrível tempestade, tomar o ônibus que o levaria até o trabalho. Casemiro não sofre por sua vida, apenas vive. Nesse dia, um deus cínico de plantão resolveu se divertir com seus fantoches terrestres. Bem à sua frente estava ela, a deusa blond do telejornal. Ensopada, o carro atolado na avenida principal; à moça não restava outra alternativa senão o ônibus. A camisa branca grudada na pele, evidenciando as auréolas rosadas de seus fartos seios, sob a blusa. Casemiro mal pode acreditar no que via. Imediatamente cedeu seu lugar à donzela atordoada pelo temporal. As pernas dela, molhadas sob a meia-calça, roçavam nas dele, escondidas no uniforme de uma fábrica de cigarros. Estático e suando de desejo, Casemiro foi tomado de assalto quando a moça levantou-se para descer do coletivo. Num gesto súbito, a seguiu. Saltou do ônibus e esgueirando-se pela rua, perseguiu a tesuda repórter. Ela, encharcadamente suculenta, nem poderia se aperceber de que o movimento bamboleante de suas redondas ancas excitava incontrolavelmente o enigmático senhor. Ele, cego de desejo, apressou o passo. Ao passar por um estreito beco, ainda sob a nuvem densa da tempestade, aproximou-se e agarrou a formosa dama pelo braço. Ele a puxou para a rua deserta e alagada. Ela gritou. Ninguém ouviu. Casemiro rasgou-lhe a blusa num surto. Tirou o pau pra fora da calça e, enquanto segurava a bela refeição pelo laquê derretido, invadiu-lhe a buceta com os dedos... primeiro um, depois dois, três, por fim toda a mão a acariciar voluptuosamente a singela boneca de prazer. Ela gritava. Ele não ouvia. Casemiro, finalmente, penetrou-a com seu membro enrijecido e úmido, rasgando-lhe a inacreditável virgindade. Ela parou de gritar. Ele não notou. Ela sangrou enquanto ele esporrava seu êxtase. Ela parou de se mexer. Ele apertou-a como quem agarra um pedaço de madeira em meio a um naufrágio. Ela parou de respirar. Ele sorriu. A chuva havia parado e ele estava finalmente feliz, pela primeira vez em sua vida em preto e branco. Casemiro levantou-se, guardou seu membro na calça de uniforme e seguiu para a avenida, apanhar outro coletivo que o levasse para trabalhar. Apático e irremediavelmente extasiado, não lembrou-se da pobre moça, inerte, atolada na gigantesca poça do beco. No ônibus, no meio da viagem, cedeu seu lugar à uma velhinha que usava um xale roxo. Ele possuia o controle de sua vida, pensou.

Lele Queiroz - SP: 28/03/2002 - At home!

O Brasil caiu no mundo

A Discovery Channel USA anunciou hoje em cadeia nacional o seu novo Discovery Atlas, uma série de documentários sobre povos e culturas de 30 países. Falado em português, o comercial do episódio sobre o Brasil surpreendeu ao demonstrar uma abordagem poética e de exaltação da cultura e das belezas naturais do nosso país. No dia 12 de Outubro, o maior país da América do Sul estará em destaque num dos canais mais populares da tv estadunidense, uma prova de que a comunidade brasileira vem conquistando espaço nos Estados Unidos e influenciando a cultura e o comportamento dos americanos.

A região de Boca Ratón, por exemplo, uma das mais ricas do sul da Flórida e originalmente populada por latinos hispânicos, vem se transformando pouco a pouco no segundo reduto brasileiro do estado. Superada em número de brasucas apenas pela cidade vizinha de Pompano Beach, riviera brasileira dos EUA, Boca oferece largo comércio a la terrinha com especialidade em diversas áreas. Em Pompano, de imobiliárias a açougues, o investimento dos brasileiros traz aumento da oferta de trabalho e melhoria da qualidade de vida.

Pra todo lado se ouve o português num ensopado de sotaques que remetem ao Brasil de norte a sul. Cada vez mais se vêem lotadas as churrascarias, que oferecem comida e música típicas. Também está se tornando comum assistir séries americanas com atores brasileiros em papéis de considerável destaque e quando o assunto é música, vira e mexe se ouve ao fundo um Garota de Ipanema ou até mesmo um samba agringoado. No entanto, a admiração pela nossa cultura excede os limites do inglês. Povos de toda a América Latina se unem aos estadunidenses quando o assunto é o Brasil. A razão desse fenômeno é clara para os brasileiros que vivem aqui: latino só por geografia, o Brasil fala outra língua e sua colonização portuguesa originou uma cultura totalmente distinta à da América hispânica. Nós somos os estrangeiros do continente, o povo diferente, mixto, de língua exótica, o gigante que dança samba. Sob esse aspecto parece dificil sentir-se "em casa", hein! Nem tanto. Na mistura ensandecida de povos que são os Estados Unidos, não existe uma só pessoa que não abra um largo sorriso ao ouvir de onde você é. No restaurante tailandês, a garçonete asiática chacoalha o corpo tentanto um samba e grita "Riodajanero" quando digo que sou brasileira. Pois é, nosso povo é admirado por onde quer que passe. E aqui não é diferente. Nada como se sentir querido numa terra onde o gringo é você.

Lele Queiroz

Episódio do Discovery Atlas sobre o Brasil no LOROTA.com Assistir - Fazer download (140 MB)*)

Orkut

Tudo bem, vai. Resolvi ceder à pressão. Entrei no Orkut. Putz! E agora? O que que eu faço aqui? Resolvi “garimpar”, descobrir “comunidades” “legais”, onde eu pudesse discutir a respeito de coisas “interessantes”, quem sabe até entrar num “papo mais profundo”... “rever meus conceitos”, “ampliar meus conhecimentos”... Aí eu trombei com “caverna do dragão”. MEEEEUUUUUU” que da hora! Eu assistia caverna do dragão todas as manhãs... nunca entendi uma porra do que estava acontecendo, mas no auge dos meus 11 anos eu sabia que deveria ser horrível não poder voltar pra casa. Minha alegria durou pouco... até eu ler “continue a história” e... “O Vingador os alcança e mata todos novamente. para se certificar que não voltarão a viver envia suas cinzas para o Sol. Depois o vingador invade a terra e realiza experiência genética em macacos. Os macacos evoluem e adquirem o dom da fala. Qdo os macacos percebem que são utilizados como animais domésticos pelos humanos (pois todos cães e gatos tinham deixado de existir em função de uma epidemia), eles se rebelam e escravizam os seres humanos. A Estátua da Liberdade é derrubada e a Terra passa a ser o Planeta dos Macacos. Ah, os macacos tb mataram o vingador.” Qual é? Mudamos de forum e eu nem percebi?… o brad pitt vai aparecer ao lado de 12 símios e travar uma batalha genética com o mestre dos magos? Hein? Cliquei no login do homossapiens que escreveu a profecia acima: “Solteiro, 28, branco, visão política = autoritário, paixões = menàge a trois.” UhiaH! Cliquei no "menàge a trois". “menage a trois ou a quatre”, categoria = trabalhos manuais.(???) Tópico = "ker dar pra marido e komer a esposa” A foto até que era legal,mas a descrição... “Estou a procura de sexo casual com uma mulher que curta uma inversão, que curta transformar um homem em putinha. Porém, ultimamente, tb procuro por um kasal liberal, afinal já pratico inversão e estou com vontade de sentir um pau de verdade...quero chupar junto com a esposa ou come-la enquanto brinco com o pau dele. Travesti tb tenho vontade, mas isso seria um próximo capítulo...rsrs (???) Tenho 31 anos, ótimo nível cultural (???) e aparência. Moro no Rio, não sou afeminado ou gay, apenas busco uma nova experiência. Fico no aguardo de possíveis contatos”

Eu sei, eu sei… pesadinha essa, hein? Pois é... e eu tava só tentando descobrir o que aconteceu com o prestor e a dalila e a uni... Depois dessa fiquei estancada. Todos os links me levariam à cama de alguém...

Recomecei ... do começo: “comunidades” vamos tentar “culturas e comunidade” desta vez. Vamos ver... “eu odeio cigarro”... “eu odeio gente lerda” ..."durmo com meu celular ao lado” ... – ai! – “eu tenho medo do plantão da globo” ... “eu me amo” ... “mulheres inteligentes”... logo acima de “eu odeio playboy” e “eu enrolo pra caralho” ... hummmm! ...”eu odeio explicar o que é orkut”... Hum!!! “o orkut atrapalha meu namoro”... “o orkut atrapalha meu trabalho”. Putz!

Vamos tentar de novo: “comunidades”... vamos ver... deixa eu procurar por “south park” (para mim é o melhor programa da tv mundial!)....uhum! uhumm!!!! Hummm! Ah! aí está. 199 comunidades. Booooom! “eu adoro o kenny” ... quem não adora?... “crie seu próprio personagem do south park”... “velha do titanic” – nossa!, “tenho medo da foto do cigarro”... uuhhg!... Essa me trouxe lembranças... não, não, não. Nem tem a ver com a caixinha do marlboro... vai mais longe. EEPSG Frei Antonio Santanna Galvão, ginásio, 5ª série, aula de ciências / saúde. Chantagem do dia: ABORTO. Putakelosparola! Agora fuDeu. Imagina aquele monte de garotas de 10 a 15 anos (ainda na 5ª), sexualidade recém... ... ativada, dando de cara com o bebezinho abortado boiando numa aguinha esverdeada, dentro do que parecia mais um grande pote de bolachas. Uma coisa é certa, a gente nem sabia o que era sexo ainda, mas todo mundo já sabia das conseqüências do aborto.

Ahhh!!! De volta ao orkut... “tenho medo de ir pro inferno”... “não pediu segredo eu conto msm”... (... tenho uma amiga que conta mesmo se vc pedir segredo) “cuida da sua vida, cacete!”, “a vida não tá certa”... opa! Peraí... vamos ver esse. E pra minha surpresa, pareceu-me ter encontrado um ser humano comun, envolto na complexidade de sua dúvida: “As vezes vem a sensação de que a vida não está satisfazendo sua necessidade de viver... As vezes está tudo errado. As vezes está quase tudo certo. Mesmo trabalhando no que você gosta, estando com a pessoa que você gosta, frequentando esta ou aquela religião, ainda prevalece um sentimento de insatisfação... como se faltasse algo. Como se estivesse algo errado. Como se tudo estivesse apenas passando. Se alguem se sente assim, não está sozinho! Entrem na comunidade!” UAU ! ! ! Esse foi o depoimento profundo do dia. Pensei que nada sairia do raso. Três cliques depois e caio no “crianças desaparecidas” , “quem viu bruno de lima santana, 13, , falar com Maria de Fátima pelos telefones: 11-4035-4442/4031-6481;”, “procura-se fabinho , 11-93519800 Falar com Thais ou Paul” ... não pude continuar. Que espécie desprezível de ser humano faria uma coisa dessas? Sequestrar uma criança indefesa, tirá-la dos pais, deixar ambos sem notícias um do outro... a humanidade é uma merda mesmo. Tentei me recompor. O que vejo? “índice do novo testamento” – NÃÃÃÂÂÃÃOOOOOOOOO. “sim, eu lido com um depressivo” – páááááááááraaaa. Saí correndo. Preciso de ar. E uma breja.

Cliquei em “comunidades” – de novo – “computadores e internet” – ah! (pensei) to em casa. “eu odeio quando trava o orkut” – hiiii! – travou. – De novo... do começo... “comunidades” – porra - “bairros e cidades” – que caralho essa bosta dessa merda do cassete que não funciona nem na putaquipariu da casa do caralho, viu - ... ”quem é do méier não bobéier”... ... ... ... .. .. ....... (nem sei o que digo... ou penso. E essa é da minha terra, hein). A criatividade humana é um tesouro! CHEEEEGGGGAAAAA. Eu tentei. Orkut... o mais novo lançamento da elite entretenedora mundial. Google, google. Internet, internet...

Lele Queiroz