Passava muito tempo só. Luzes apagadas. Ouvidos atentos a mínimos ruídos. Esperando. Sempre esperando. O ar entediado. Vazando das narinas. Coração pesado e vazio. Quieto. Ansioso. Surrado de premonições, sentimentos ensandecidos, hábeis carrascos. A vida, esquizofrênica, a dançar sobre covas frescas. Você nunca se acostuma a viver sozinho.
...
Ruído! Os olhos, rápidos, varrem a atmosfera desconfortável ao redor – NADA. Outra vez, não há nada lá. Algumas vezes tentava olhar para os pássaros e ver somente pássaros. Nenhum mal presságio, nenhuma promessa de morte, nenhum manto de desgraça deitado sobre sua casa. Mas não conseguia acreditar, jamais sentira-se capaz de relaxar e olhar, simplesmente, para um pequenino pássaro e sorrir. Apenas sorrir. Na verdade, nunca havia sido capaz de sorrir, desde criança. A vida, ela mesma, sempre lhe sorrira, com sarcasmo, deboche, despeito. A vida sempre lhe gargalhara, na cara. Intensa. Rir. Rir. Rir. Rir. Rir. Rir. A busca frenética pela gargalhada fácil, gorda e suculenta. Falsa. Como todas as boas lembranças de sua vida. Como todos os momentos que se lembrava de terem sido bons e, logo após, de ter estado só em todos eles. Não era um estar só daqueles que produzem resultados positivos... era um estar só que lhe fazia grudar no sofá, ansiosa, meio que aflita, meio que assustada, em parte com medo... de algo que não sabia o que era. Só sabia que era preciso dar forma a esse medo estúpido, burro e sem cara.
....
---
...
Eu ainda não sei o que aconteceu. Não faz muito tempo, no entanto, que tudo começou. Foi interessante a ausência de decepção, como se aquele fosse dos males o menor. Em todas as fotos, sorrisos. Em todos os encontros, raiva. Como se a pessoa das fotos não fosse aquela de carne e osso. Mas era. Sempre fôra. Sempre seria. Boas intensões à parte. As coisas são o que são. As pessoas não mudam. O planeta não para de girar. A vida não perdoa. A morte não desiste de se mostrar doce e suave. Todo mundo mente. Pra si mesmo.
...
Aceitar o fim não é uma decisão premeditada, mas é inevitável. Tentar justificar o comportamento humano vai cansando tanto! e de uma hora pra outra parece tão embecil...! No final, só resta o tédio. Tanta coisa bela ao redor. A natureza tão viçosa e perfeita! Não adianta. É preciso ser imperfeito para admirar perfeição. E imperfeição é defeito, não importa o que digam os espíritos evoluídos, eles são minoria. Os imperfeitos governam o mundo. E Eles são fortes. E egoístas. E eles são contagiosos.
...
PRIMEIRO CAPÍTULO
Acordo. 7:54. O quarto ainda com esse tom cinza. Outro dia ruim. Lembro do filme da noite passada. Chuva de bombas e tiros. Quanta ação!... Quanto emoção! Quanta coisa pra me lembrar do marasmo que é minha existência. Quanto incômodo me causa apenas “ser”. Esse comichão de insatisfação que eu coço e coço sem parar, assistindo abrir feridas, sangrar, embalada pelo som amordaçado das unhas do meu desespero controlado, racional, útil, doente terminal fadado a uma morte lenta e sozinha.
Levanto. Nunca lerei todos esses livros. Sem tempo sobrando quando “ser” e “realizar” se degladiam. Ao descer degrau por degrau da escada parece que subo. Minhas pernas pesam, doem e temem. Nenhum santo ajuda. Já faz tempo que abandonei a fé. Agora deito na inerte esperança do acaso. Algo fantástico poderia acontecer.
Tá. Falou.
O abraço apertado e largo que me recebe na cozinha me lembra que o café está pronto. O café me lembra que a melhor parte do dia acaba de terminar. Tudo se encaixa mas nada faz sentido. Não pra mim. Não agora. Observo o rio incansável pela janela. De onde vem e pra onde vai... cenário conhecido de um percurso incerto. O movimento é a chave. O rio faz sentido. Quase sempre. Acordo cada vez mais cedo. Tenho dias cada vez mais vazios. Minha insônia desistiu. Durmo bem, vivo bem, me sinto mal. Fraca. Invejo a heroína do filme da noite passada. Pudera eu viver sua vida, suas aventuras... morreria na primeira fuga, atingida pela primeira bala mal disparada por algum bandido incompetente. Incompetente como eu.
A vida vai passando, lenta... sem parada pra almoço... sem soneca... minuto a minuto... se ocupando com insaciáveis dúvidas... consumindo o resto dos meus sonhos. Tic-tac-Tic-tac-Tic-tac-Tic-tac-Tic-tac-Tic-tac-Tic-tac-Tic-tac-Tic-tac………………….
O café esfria tão rapidamente!...
::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
Herança genética me assombra. Os fantasmas que tentei exaustivamente exorcizar da minha vida se desenham no rosto dos parentes, sempre doentes, deprimidos, assustados, temendo o castigo vindo dos céus, alheios ao fato de que os céus se fecharam e só voltarão a se abrir para destruir, extinguir... numa tentativa de reparar o erro aqui difundido, germinado, que atende pelo nome de humanidade. aaahhh... extinção... amiga de todo conspirador, de todo culpado, de todo aquele que teme a prova, a evidência inegável da merda concretizada. A humanidade é evidência sólida por demais de um plano pretencioso, cujo real intento nunca cruzou as barreiras do desejo de poder de um “criador” narcisista obcecado com o próprio sucesso. É. Eu sei. É fácil se identificar com o modelo descrito acima. À imagem e semelhança.
:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
Há dias que não como decentemente; há dias que meu estômago se nega a exercer sua função digestiva e preguiçosamente prefere enjoar, impedindo-me de concentrar na vida fora de mim. Há dias que sou incapaz de mirar o céu. Há dias que procuro o chão, tendo o céu como fonte certa de meu mal-estar... [ continua... ]
Lele Queiroz
junho 30, 2007
Só
> Unknown > 9:37:00 AM
0 > comentários:
Postar um comentário