Infelizmente, a vida não sorri para todas as fisionomias tristes. É preciso mais que tristeza para ser aceito. Convencionalmente, as pessoas procuram ser aceitas, mas nem todo mundo busca a sociabilidade. Casemiro é uma dessas pessoas que não se preocupam se alguém gosta dele ou não. Ele se importa apenas com sua lata de cerveja e seu isqueiro, objetos de sua propriedade que ele jamais cede a ninguém. Segundo sua filosofia de vida, um homem tem que possuir seu próprio isqueiro, que ele chama carinhosamente de "le briquet".
O Sr. Casemiro trabalha numa fábrica de cigarros no extremo norte da cidade. Ganha pouco, mas recebe da empresa tudo de que precisa para sobreviver: quatro salários mínimos, convênio médico, vales transporte e refeição - que ele troca por revistas adultas na banca de seu bairro - e uma cota de três pacotes de cigarros mensal.
A casa de Casemiro é um kitnet, fica no centro da cidade e tem como mobília um colchão de molas, uma mesa com dois banquinhos, um purificador de água sobre a pia, uma geladeira velha e um armário velho pendurado na parede da minúscula cozinha.
Casemiro se alimenta de sanduiches e cigarros, muitos cigarros. Ele lubrifica sua garganta cancerosa com água retirada de seu purificador sobre a pia e cerveja, em excesso. Casemiro diz que a água da cidade está contaminada, que não existe salvação para ninguém, todos serão afetados por uma nova droga que provoca a tal Síndrome do Descontrole Psíquico. Casemiro anseia pelo noticiário da tv ali da mesa de esquina do Bagaça, o boteco que funciona no andar de baixo de sua casa. Ele aguarda o pronunciamento do ministro da saúde sobre a contaminação da água. Segundo ele, todas as autoridades já estão a par da tragédia ambiental. Ele aguarda. As autoridades não se manifestam.
Casemiro é um grande admirador da apresentadora do telejornal das 19 horas, loira laquê, bronzeamento artificial, seios siliconados, maquiagem de chupeteira, como a das meninas do Café Frufru. Ela não difere em nada, ao que se sabe, das putas da região, exceto pelo acabamento mais sofisticado. Para Casemiro isso não faz diferença. Ele coleciona fitas de vídeo com as edições do telejornal que o seu Duran, dono do boteco, grava pra ele. Só que ele nunca assiste porque não tem vídeo cassete e nem tv. Mas pode admirar a suculenta repórter pelas fotos de uma antiga revista masculina onde a garota fez um ensaio antes de ingressar na televisão. Casemiro se lambuza inteiro flertando com as páginas grudentas e engruvinhadas da velha publicação.
Casemiro é só. Mas tem o controle de sua própria vida. É o que ele pensa. Fora de sua rotina profissional, Casemiro freqüenta o relax for man da praça central. Sua garçonete preferida é Calistra, loirinha bunduda dona da boquinha de veludo da casa. Ele pensa nas fartas tetas da repórter do telejornal. Sempre.
Nada de surpreendente acontece na vida de Casemiro. Ele não sorri e não se lamenta. Também não tem amigos, só companheiros de copo que não gostam de falar. Ele não ouve música, não lê e não tem saudades de ninguém. Casemiro é um espectro, magro, pálido e silencioso, um ser etéreo e perpétuo, lúcido e cansado.
Na última semana, Casemiro cumpriu sua rotina dária de acordar e levantar muito cedo, engolir três ovos crus, vestir seu uniforme cinza e, desta vez em meio a uma terrível tempestade, tomar o ônibus que o levaria até o trabalho. Casemiro não sofre por sua vida, apenas vive. Nesse dia, um deus cínico de plantão resolveu se divertir com seus fantoches terrestres. Bem à sua frente estava ela, a deusa blond do telejornal. Ensopada, o carro atolado na avenida principal; à moça não restava outra alternativa senão o ônibus. A camisa branca grudada na pele, evidenciando as auréolas rosadas de seus fartos seios, sob a blusa. Casemiro mal pode acreditar no que via. Imediatamente cedeu seu lugar à donzela atordoada pelo temporal. As pernas dela, molhadas sob a meia-calça, roçavam nas dele, escondidas no uniforme de uma fábrica de cigarros. Estático e suando de desejo, Casemiro foi tomado de assalto quando a moça levantou-se para descer do coletivo. Num gesto súbito, a seguiu. Saltou do ônibus e esgueirando-se pela rua, perseguiu a tesuda repórter. Ela, encharcadamente suculenta, nem poderia se aperceber de que o movimento bamboleante de suas redondas ancas excitava incontrolavelmente o enigmático senhor. Ele, cego de desejo, apressou o passo. Ao passar por um estreito beco, ainda sob a nuvem densa da tempestade, aproximou-se e agarrou a formosa dama pelo braço. Ele a puxou para a rua deserta e alagada. Ela gritou. Ninguém ouviu. Casemiro rasgou-lhe a blusa num surto. Tirou o pau pra fora da calça e, enquanto segurava a bela refeição pelo laquê derretido, invadiu-lhe a buceta com os dedos... primeiro um, depois dois, três, por fim toda a mão a acariciar voluptuosamente a singela boneca de prazer. Ela gritava. Ele não ouvia. Casemiro, finalmente, penetrou-a com seu membro enrijecido e úmido, rasgando-lhe a inacreditável virgindade. Ela parou de gritar. Ele não notou. Ela sangrou enquanto ele esporrava seu êxtase. Ela parou de se mexer. Ele apertou-a como quem agarra um pedaço de madeira em meio a um naufrágio. Ela parou de respirar. Ele sorriu. A chuva havia parado e ele estava finalmente feliz, pela primeira vez em sua vida em preto e branco. Casemiro levantou-se, guardou seu membro na calça de uniforme e seguiu para a avenida, apanhar outro coletivo que o levasse para trabalhar. Apático e irremediavelmente extasiado, não lembrou-se da pobre moça, inerte, atolada na gigantesca poça do beco. No ônibus, no meio da viagem, cedeu seu lugar à uma velhinha que usava um xale roxo. Ele possuia o controle de sua vida, pensou.
Lele Queiroz - SP: 28/03/2002 - At home!
junho 30, 2007
Casemiro
> Unknown > 9:36:00 AM
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